RESUMO: O presente artigo objetiva fazer uma análise jurídica com base na legislação e na jurisprudência pátria acerca da possibilidade de contratação direta do SENAI para prestação de serviços técnico-especializados de capacitação em empreendedorismo inovador ao ente público por meio de dispensa de licitação pública.
Palavras-chave: Contratação direta. Dispensa de licitação. SENAI. Capacitação para incentivo ao empreendedorismo inovador. Art. 24, XIII, da Lei nº 8.666/1993.
ABSTRACT: This article aims to make a legal analysis based on the legislation and jurisprudence of the country about the possibility of directly contracting SENAI to provide technical-specialized training services in innovative entrepreneurship to the public entity through waiver of public bidding.
Keywords: Direct hiring. Bidding waiver. SENAI. Training to encourage innovative entrepreneurship. Article 24, XIII, of Law No. 8.666/1993.
1. INTRODUÇÃO
Trata-se de análise jurídica acerca da possibilidade de contratação direta mediante dispensa de licitação – com fundamento nos incisos XIII e XXXI do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 – do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, na qualidade de empresa especializada na prestação de serviços de desenvolvimento de programa de capacitação para incentivo ao empreendedorismo inovador, por meio de metodologia personalizada conforme as necessidades do ente público.
A contratação possibilita oferecer à população formação profissional continuada qualificada para impactar no aumento de empreendimentos inovadores e consequente geração de emprego, renda e o desenvolvimento regional.
2. DA DISPENSA DE LICITAÇÃO
Por obediência aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência, dentre outros, a Administração Pública em regra deve se submeter ao procedimento licitatório para realizar contratações e aquisições, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal.
A norma acima encontra-se regulamentada pela Lei nº 8.666/1993 (ainda em fase de transição para a nova Lei nº 14.133/2021), que estabelece as situações excepcionais nas quais poderá haver contratação direta.
É sabido que o Estado - de forma geral – possui como uma de suas diretrizes a promoção e o incentivo ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação. Trata-se de objetivo expressamente previsto no art. 218 da Constituição Federal.
Uma das formas de promover o fomento a tais atividades expressa-se na inserção em leis e atos normativos de incentivos específicos voltados para a atuação privada nesse contexto. Dentre elas encontram-se as previsões da lei de licitações e contratos – instrumento de relevância fundamental na prática administrativa – que visam a estimular tal propósito.
Nesse sentido, a Lei nº 8.666/1993 prevê hipóteses de contratação direta nas quais, em razão do incentivo ao desenvolvimento tecnológico e institucional, poderá haver dispensa de licitação.
O art. 24, inciso XIII, da referida lei assim dispõe:
Art. 24. É dispensável a licitação: (Vide Lei nº 12.188, de 2.010) Vigência
XIII - na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
Importante destacar que a Lei nº 14.133/2021 trouxe idêntica previsão em seu art. 75, inciso XV, mantendo-se, portanto, a continuidade normativo-típica da fundamentação legal.
A norma legal, portanto, estabelece os pressupostos necessários a ensejar a dispensabilidade da licitação: (a) que a instituição seja brasileira; (b) que a instituição tenha previsão, nos seus estatutos ou regimento, de desenvolver pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional; (c) que a possível contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional; e (d) que a possível contratada não tenha fins lucrativos.
Passa-se, então, à análise dos referidos pressupostos de forma individualizada para melhor compreensão.
2.1. Instituição brasileira
O requisito em questão exige que a contratação direta com tal fundamento se dê com instituição constituída sob a lei brasileira.
A esse respeito, vejamos os comentários de Marçal Justen Filho:
Por instituição nacional deverá entender-se aquela estabelecida e constituída sob a lei brasileira. Não está excluída a instituição cujos fundadores sejam estrangeiros ou que desenvolvam atividade segundo parâmetros provenientes do direito comparado. A referência a instituição nacional não pode ser interpretada segundo preconceitos xenófobos. Uma vez respeitado o interesse nacional, podem ser contratadas instituições relacionadas com movimentos internacionais ou seguidoras de filosofias ou políticas desenvolvidas no estrangeiro.
(Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos [livro eletrônico]: Lei 8.666/1993 / Marçal Justen Filho. -- 3. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019).
In casu, dita o Decreto Federal nº 494, de 10 de janeiro de 1962, que “aprova o Regimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI)”, verbis:
Art. 3º O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial é um[a] entidade de direito privado, nos têrmos da lei civil, com sede e fôro jurídico na Capital da República, cabendo a sua organização e direção à Confederação Nacional da Indústria.
Parágrafo único. Os dirigentes e prepostos do SENAI, embora responsáveis, administrativa e criminalmente, pelas malversações que cometerem, não respondem individualmente pelas obrigações da entidade.
Art. 4º a entidade inscreverá no registro público competente os seus atos constitutivos para todos os efeitos de direito.
Destarte, conforme legislação e atos constitutivos, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) é constituído sob as leis brasileiras, enquadrando-se como entidade apta nesse aspecto a contratar com o ente público, sem necessidade de maiores digressões.
2.2. A finalidade da Instituição
Nesse aspecto, exige-se que conste no ato constitutivo da instituição contratada que esta tenha como objetivo a pesquisa, o ensino ou o desenvolvimento institucional.
Prevê o artigo 1º do referido Decreto Federal nº 494/1962, verbis:
Art. 1º O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), organizado e administrado pela Confederação Nacional da Indústria, nos têrmos do Decreto-lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, tem por objetivo:
a) realizar, em escolas instaladas e mantidas pela Instituição, ou sob forma de cooperação, a aprendizagem industrial a que estão obrigadas as emprêsas de categorias econômicas sob sua jurisdição, nos têrmos de dispositivo constitucional e da legislação ordinária;
b) assistir os empregadores na elaboração e execução de programas gerais de treinamento do pessoal dos diversos níveis de qualificação, e na realização de aprendizagem metódica ministrada no próprio emprêgo;
c) proporcionar, aos trabalhadores maiores de 18 anos, a oportunidade de completar, em cursos de curta duração, a formação profissional parcialmente adquirida no local de trabalho;
d) conceder bôlsas de estudo e de aperfeiçoamento e a pessoal de direção e a empregados de excepcional valor das emprêsas contribuintes, bem como a professôres, instrutores, administradores e servidores do próprio SENAI;
e) cooperar no desenvolvimento de pesquisas tecnológicas de interêsse para a indústria e atividades assemelhadas.
Todavia, não basta que conste nos atos constitutivos da entidade e outros documentos tais informações, é necessário a existência de pertinência temática entre a especialidade de pesquisa, ensino ou finalidade da instituição com o objeto que a Administração pretende contratar.
No ponto, cita-se a Súmula 250 do Tribunal de Contas da União:
A contratação de instituição sem fins lucrativos, com dispensa de licitação, com fulcro no art. 24, XIII, da Lei 8.666/1993, somente é admitida nas hipóteses em que houver nexo efetivo entre o mencionado dispositivo, a natureza da instituição e o objeto contratado, além de comprovada a compatibilidade com os preços de mercado”.[grifamos]
Observa-se que a escolha de uma entidade dedicada à pesquisa, se este for seu perfil diferenciador, só será justificada se o objeto contratado efetivamente demonstrar esse traço diferenciador.
A doutrina confirma esse entendimento, referindo Marçal Justen Filho que “A contratação não poderá ofender o princípio da isonomia. Existindo diversas instituições em situação semelhante, caberá a licitação para selecionar aquela que apresente a melhor proposta – ainda que essa proposta deva ser avaliada segundo critérios diversos do ‘menor preço’. A opção por uma determinada linha de pesquisa deverá ser justificada por critérios científicos. Esse postulado não se altera ainda quando caracterizada a inviabilidade da competição (o que subordinaria a hipótese à regra do art.25). Então, a Administração não pode privilegiar certa instituição, de modo injustificado. Se diversas instituições desempenham atividades equivalentes e todas podem ser contratadas pela Administração, é imperioso justificar o motivo de preferência por uma delas especificamente. Se não for possível encontrar um fundamento compatível com o princípio da isonomia, a solução será produzir um processo seletivo que assegure tratamento igualitário a todas as possíveis interessadas' (Marçal Justen Filho, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Dialética, São Paulo, 9ª edição, 2002, p. 256).
Não é suficiente que a instituição a ser contratada seja detentora de inquestionável reputação ético-profissional, bem como não tenha finalidade lucrativa, que constituem requisitos estabelecidos no inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666/1993.
Deve-se verificar se essa instituição de pesquisa efetivamente está incumbida, regimental ou estatutariamente, da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional efetivamente buscado como objeto da contratação, sendo relevante que se considere o nexo que deve haver entre o fim visado pela instituição e o objeto que ela busca executar, a partir do exame do instrumento que formaliza e disciplina o respectivo funcionamento.
O funcionamento dessa instituição deverá estar disciplinado no seu estatuto, e evidenciado na sua finalidade e nos seus objetivos.
Marçal Justen Filho, às fls. 254 da obra já referida, destaca que:
Um aspecto fundamental reside em que o inc. XIII não representa uma espécie de válvula de escape para a realização de qualquer contratação, sem necessidade de licitação. Seria um despropósito imaginar que a qualidade subjetiva do particular a ser contratado (instituição) seria suficiente para dispensar a licitação para qualquer contratação buscada pela Administração. Ou seja, somente se configuram os pressupostos do dispositivo quando o objeto da contratação inserir-se no âmbito de atividade inerente e próprio da instituição.[grifamos]
Destaca ainda o respeitado doutrinador, às fls.255, da mesma obra, que:
[...] é imperioso que o objeto específico da contratação se traduza numa atividade específica da instituição contratada, bem como que deve ter-se em vista a vocação específica e delimitada de atuação da instituição no âmbito dos diversos objetos. O raciocínio é o de que não existem instituições de fins gerais. Uma instituição não se dedica à “pesquisa”, numa acepção ampla que pudesse abranger todos os setores do conhecimento humano. Logo, uma instituição voltada ao “desenvolvimento institucional” apenas poderá ser contratada, sem licitação, para atividade que se configure como “desenvolvimento institucional”. [...] Em todos esses casos, é imperioso examinar se a natureza específica das atividades a que se volta a entidade abrange a atividade que é objeto da contratação. Se não abranger, não se poderá promover a contratação com base no inc. XIII.[grifamos]
O Tribunal de Contas da União, em sua composição Plena, igualmente manifestou-se sobre a questão pertinente ao nexo imprescindível entre o fim da instituição e o objeto da contratação em diversas oportunidades e sempre com um posicionamento bastante homogêneo, cabendo destacar algumas decisões:
Acórdão 427/2002 – TCU - PLENÁRIO – “... as dispensas de licitação com amparo no inciso XIII do art.24 da Lei nº 8666/93 só são possíveis quando houver nexo entre o objeto pretendido e as atividades de ensino, pesquisa ou desenvolvimento institucional, o que não é o caso de serviços de informática, mesmo os de desenvolvimento de sistemas”;
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Acórdão 1549/2003 – TCU - PLENÁRIO – destaca que o fato da instituição contratada se enquadrar na definição do inciso XIII do artigo 24 da Lei 8666/93 não implica em torná-la elegível para ser contratada diretamente pela Administração, com base unicamente nos ditames de seu estatuto. Deve haver o nexo entre o dispositivo legal, o objeto do contrato e a natureza da instituição a ser contratada.
Conforme afirmado supra, o objeto a ser buscado pelo ente público deve encontrar pertinência com as finalidades institucionais do SENAI. No caso em análise, tem-se o como exemplo o desenvolvimento de programa de capacitação para incentivo ao empreendedorismo inovador, por meio de metodologia personalizada, conforme as necessidades do ente público.
Nesse sentido, tal escopo se enquadra nas atividades desenvolvidas pelo SENAI, bem como nas competências que lhes foram estatutariamente atribuídas, estando preenchido o requisito.
2.3. Inquestionável reputação ético-profissional
Além dos pressupostos acima delineados, há necessidade de que a Instituição possua “inquestionável reputação ético-profissional”.
No exame desse requisito, observa Marçal Justen Filho:
8.5) A reputação inquestionável:
A exigência de “inquestionável reputação ético-profissional” tem de ser enfocada com cautela. Deve ser indiscutível a capacitação para o desempenho da atividade objetivada. Exigem-se as virtudes éticas relacionadas direta e necessariamente com o perfeito cumprimento do contrato. Disputas ou questionamentos sobre outros temas são secundários e não se admite um policiamento ideológico ou político sobre o contratado. Não é possível impugnar a contratação pelo simples fundamento da discordância com a ideologia adotada pelos sujeitos envolvidos na instituição. (Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos [livro eletrônico]: Lei 8.666/1993 / Marçal Justen Filho. -- 3. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019). [grifamos]
Sobre o tema, segue também lição de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:
5.13.2.3. Inquestionável reputação ético-profissional
Reputação é também requisito à válida aplicação desse inciso e diz respeito ao conceito de que desfruta a instituição perante a sociedade na qual exerce as funções, bem como a sua fama e renome.
Estabelece a lei que a reputação seja avaliada pelos fatores ético-profissionais, sem considerar, portanto, a localidade, o patrimônio ou mesmo esses fatores, se condizentes diretamente com as pessoas instituidoras da entidade. Não só “o que faz”, mas também “o porquê faz”, já que não pode ter fins lucrativos, como também a forma como realiza a sua função.
Não raro, vislumbra-se que são confundidos os conceitos das pessoas físicas que criaram a entidade com esta própria, ou, então, o que é pior, confunde-se reputação ético-profissional com a ausência de comentários depreciativos sobre uma entidade. São coisas bastante distintas: exige a lei “inquestionável reputação ético-profissional” sendo insuficiente a ausência de comentários negativos ou a existência simultânea de fatores positivos e depreciativos, com prevalência do primeiro; mas é suficiente que a instituição só seja conhecida no âmbito restrito dos que atuam naquele segmento do mercado (...).
No campo das licitações, outro conceito, que será visto depois, guarda semelhança: a “notória especialização”, que assim como a “inquestionável reputação” não exige que seu detentor esteja frequentando as primeiras páginas dos jornais, bastando que a comunidade de determinada atividade laboral o conheça, nos limites e características definidos na lei. A propósito, é evidente que não há reputação ético-profissional em favor da instituição, quando contratada fora do seu ramo de atividade.
Bem, por isso, o TCU recomendou que o gestor “verifique, tanto nas licitações como em suas dispensas e inexigibilidades, se o ramo da atividade da empresa licitante ou se a finalidade da instituição sem fins lucrativos é compatível com o objeto a ser contratado”.
(...)
5.13.2.5. Objeto do contrato
À primeira vista, o inciso XIII do art. 24 nada dispôs sobre o objeto do contrato. Exame mais atento, porém, revela que, ao referir-se à reputação ético-profissional, implicitamente erigiu estreita relação entre o que a Administração pretende e em que consiste a atividade do contratado (profissão). Somente as instituições encarregadas da recuperação social do preso não precisam ter reputação profissional na área do objeto pretendido, bastando reputação ética nas suas relações.
Mais do que isso, é preciso que o objeto que será contratado seja a causa da reputação da instituição pelo modo diferenciado qualitativamente que executa. Por isso não se concebe - e é irregular - que uma instituição seja contratada para objetos distintos, diferentes. Há que ser sempre objeto da mesma natureza em todas as contratações fundadas no art. 24. XIII, da Lei nº 8.666/1993. Se uma instituição ora é contratada para realizar serviço de informática, noutra de pesquisa médica, noutra de treinamento, fica evidenciado que sua múltipla funcionalidade não é pertinente à reputação ético-profissional.
(Jacoby Fernandes, J. U. Contratação direta sem licitação: dispensa de licitação: inexigibilidade de licitação: procedimentos para a contratação sem licitação; justificativa de preços; inviabilidade de competição; emergência; fracionamento; parcelamento; comentários às modalidades de licitação, inclusive o pregão: procedimentos exigidos para a regularidade da contratação direta / Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. 10. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2016. Pag. 362-363)
[grifamos]
Assim, exige-se que a instituição a ser contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional, com comprovada capacitação para o desempenho das atividades que lhe forem cometidas, devendo haver correlação entre a capacitação da instituição e o objeto do contrato.
2.4. Instituição sem fins lucrativos
Quanto a esse requisito, prevê o já citado Decreto Federal nº 494, de 10 de janeiro de 1962, que “aprova o Regimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI)”, verbis:
Art. 5º as despesas do SENAI serão custeadas por uma contribuição mensal das emprêsas das categorias econômicas da indústria, dos transportes, das comunicações e da pesca, nos têrmos da lei.
Verifica-se, pois, que o regimento da instituição se limita a afirmar que as despesas são custeadas por contribuição social, não havendo qualquer referência quanto à finalidade lucrativa ou não.
Todavia, em que pese não haja previsão explícita de finalidade não lucrativa do SENAI, é pacífico na doutrina e jurisprudência essa condição.
Sobre os serviços sociais autônomos, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando conceito tradicional de Hely Lopes Meirelles:
[...] são todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios, revestindo a forma de instituições particulares convencionais ou peculiares ao desempenho de suas incumbências estatutárias. Como exemplo, ele cita SENAI, SENAC, SESI, etc. (Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de janeiro. Forense. 2020. pag. 243).[grifamos]
Segue, igualmente, jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL - SENAI. SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO. ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL AO INCRA. FUNRURAL.ISENÇÃO. LEI N.º 2.613/55.
1. Os "Serviços Sociais Autônomos", gênero do qual é espécie o SENAI, são entidades de educação e assistência social, sem fins lucrativos, não integrantes da Administração direta ou indireta, e que, assim, não podem ser equiparados a entidades empresariais para fins fiscais.
2. A Lei n.º 2.613/55, que autorizou a União a criar a entidade autárquica denominada Serviço Social Rural - S.S.R., em seu art. 12, concedeu à mesma isenção fiscal, ao assim dispor: "Art. 12. Os serviços e bens do S.S.R. gozam de ampla isenção fiscal como se fossem da própria União".
3. Por força do inserto no art. 13 do mencionado diploma legal, o benefício isentivo fiscal, de que trata seu art. 12, foi estendido, expressamente, ao SENAI, bem como aos demais serviços sociais autônomos da indústria e comércio (SESI, SESC e SENAC), porquanto restou consignado no mesmo, in verbis: "Art. 13. O disposto nos arts. 11 e 12 desta lei se aplica ao Serviço Social da Indústria (SESI), ao Serviço Social do Comércio (SESC), ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC)." 4. É cediço na Corte que "o SESI, por não ser empresa, mas entidade de educação e assistência social sem fim lucrativo, e por ser beneficiário da isenção prevista na Lei nº 2.613/55, não está obrigado ao recolhimento da contribuição para o FUNRURAL e o INCRA", exegese esta que, por óbvio, há de ser estendida ao SENAI (Precedentes: REsp n.º 220.625/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 20/06/2005; REsp n.º 363.175/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 21/06/2004; REsp n.º 361.472/SC, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 26/05/2003; AgRg no AG n.º 355.012/PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 12/08/2002; e AgRg no AG n.º 342.735/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ de 11/06/2001).
5. Recurso especial desprovido.
(REsp 766.796/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2005, DJ 06/03/2006, p. 223) [grifamos]
Assim, deve ser atendido o requisito da “finalidade não lucrativa”.
2.5. Do fundamento complementar na hipótese do inciso XXXI do art. 24 da Lei nº 8.666/1993
Além do enquadramento da presente contratação na hipótese acima detalhada (inciso XIII), verifica-se que a prestação de serviços pelo SENAI aqui pretendida refere-se a desenvolvimento de tecnologia e inovação no ente público, pelo que pode ser justificada também pela hipótese prevista no inciso XXXI do art. 24 da lei de licitações, vejamos:
Art. 24. É dispensável a licitação: [...]
XXXI - nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3o, 4o, 5o e 20 da Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os princípios gerais de contratação dela constantes. (Incluído pela Lei nº 12.349, de 2010)
Da mesma forma, a Lei nº 14.133/2021 repetiu expressamente esta previsão no inciso V de seu art. 75.
A referida lei dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. O presente objeto a ser contratado possui justamente esse caráter de incentivo tecnológico.
Entretanto, de forma mais específica, enquadra-se na situação prevista no inciso XIII acima já explanado.
3. DAS RAZÕES DA ESCOLHA DO FORNECEDOR E DA JUSTIFICATIVA DO PREÇO
Por outro lado, apesar de se tratar de hipótese legal de dispensa de licitação, tal contratação não dispensa a realização de um procedimento formal prévio, com vistas a garantir a observância dos princípios que regem nosso ordenamento jurídico e em especial a preponderância do interesse público.
Portanto, deve-se observar o disposto no parágrafo único do art. 26 da Lei nº 8.666/93 nesses casos, justificando a escolha do contratado e a vantajosidade do preço para a Administração, além dos requisitos mínimos de habilitação da empresa.
Quanto à justificativa do preço em contratações diretas, importante destacar o seguinte entendimento do TCU:
Acórdão 1607/2014 Plenário (Representação, Relator Ministro-Substituto Augusto Sherman)
Contratação Direta. Justificativa dos preços. Meios.
Em procedimento de dispensa de licitação, devem constar, no respectivo processo administrativo, elementos suficientes para comprovar a compatibilidade dos preços a contratar com os vigentes no mercado ou com os fixados por órgão oficial competente, ou, ainda, com os que constam em sistemas de registro de preços.
Sendo assim, considerando que o valor ofertado pelo SENAI-AL na presente contratação é inferior ao proposto em contratação similar com outro município da região, observa-se que restou demonstrada pela unidade demandante a justificativa do preço.
4. DA COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE JURÍDICA, FISCAL, TRABALHISTA E DO FGTS
Quanto aos requisitos de habilitação, verifica-se a necessidade de demonstração da regularidade jurídica, fiscal, trabalhista e de FGTS da empresa contratada (no caso, o SENAI), nos termos dos arts. 27 a 31 da Lei nº 8.666/2021.
5. DA COMPROVAÇÃO DA DISPONIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA
A declaração de disponibilidade orçamentária com a respectiva indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica da despesa é uma imposição legal, disposta na lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992, art. 10, inc. IX) e na lei de licitações (Lei nº 8.666/1993, arts. 38 e 55, inc. V).
Com efeito, a autoridade competente deve declarar a disponibilidade orçamentária para fazer frente às despesas geradas pela pretendida contratação, nos termos do art. 7º, § 2º, inc. III, da Lei nº 8.666/1993, e dos arts. 15 e 16, da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).
6. CONCLUSÃO
Consoante o exposto, atendidos os requisitos supramencionados, amoldados no art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/1993, verifica-se ser juridicamente viável a contratação direta da empresa Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), para prestação de serviços de desenvolvimento de programa de capacitação para incentivo ao empreendedorismo inovador, por meio de dispensa de licitação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22 de Novembro de 2022.
BRASIL. Lei Nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1993. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666compilado.htm>. Acesso em: 22 de Novembro de 2022.
BRASIL. Lei Nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos.. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2021. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm>. Acesso em: 22 de Novembro de 2022.
BRASIL. Decreto Federal nº 494, de 10 de janeiro de 1962. Aprova o Regimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1962. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dcm/dcm494.htm>. Acesso em: 22 de Novembro de 2022.
Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos [livro eletrônico]: Lei 8.666/1993 / Marçal Justen Filho. - 3. ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.
Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Dialética, São Paulo, 9ª edição, 2002.
Jacoby Fernandes, Jorge Ulisses. Contratação direta sem licitação: dispensa de licitação: inexigibilidade de licitação: procedimentos para a contratação sem licitação; justificativa de preços; inviabilidade de competição; emergência; fracionamento; parcelamento; comentários às modalidades de licitação, inclusive o pregão: procedimentos exigidos para a regularidade da contratação direta / Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. 10. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de janeiro. Forense. 2020.
Analista judiciário do Superior Tribunal de Justiça. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Willams Cavalcante do. Da possibilidade de contratação do SENAI por dispensa de licitação para prestar serviços de capacitação em empreendedorismo inovador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2023, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /62706/da-possibilidade-de-contratao-do-senai-por-dispensa-de-licitao-para-prestar-servios-de-capacitao-em-empreendedorismo-inovador. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
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